O Direito Administrativo como Alicerce da Internacionalização Empresarial: O caso das PMEs estrangeiras no Brasil
Por Rogério Santos do Nascimento, Advogado
Muitas pequenas e médias empresas estrangeiras têm voltado os olhos ao Brasil como destino estratégico para expansão de seus negócios. O país apresenta uma economia plural, mercado consumidor expressivo e abundância de recursos naturais. Entretanto, a simples atratividade econômica não basta. Antes de qualquer movimento de internacionalização, é imprescindível compreender que, no Brasil, o êxito empresarial exige não apenas conhecimento de mercado, mas, sobretudo, domínio da estrutura jurídico-administrativa que rege a relação entre o Estado e o particular.
Neste cenário, o Direito Administrativo brasileiro se revela não como uma área jurídica periférica, mas como ferramenta essencial, anterior à própria judicialização e estruturante de toda a operação empresarial. Sem o devido preparo técnico nesse campo, uma empresa estrangeira pode se ver envolvida em entraves burocráticos, sanções regulatórias ou, ainda, em litígios administrativos que comprometem seu funcionamento.
Ao contrário do ambiente de outros países, onde a interação entre empresas e poder público tende a ser mais objetiva, previsível e desburocratizada, o Brasil mantém uma tradição intervencionista do Estado. Essa presença estatal se manifesta por meio de licenças, autorizações, concessões, fiscalização contínua, atuação de agências reguladoras, e forte controle externo exercido por tribunais de contas e ministérios públicos. Em muitos casos, a atuação da Administração Pública se dá de forma unilateral, por meio de atos administrativos que produzem efeitos imediatos, exigindo pronta e precisa reação por parte da empresa afetada.
Não se trata apenas de compreender a legislação vigente. O verdadeiro desafio está em navegar pelas entranhas da máquina pública brasileira. A estrutura federativa complexa, com competências legislativas e administrativas fragmentadas entre União, Estados e Municípios, pode gerar exigências conflitantes ou sobrepostas. Soma-se a isso a existência de práticas administrativas viciadas, como exigências informais não previstas em norma, decisões contraditórias entre setores internos de um mesmo órgão, ou até mesmo a morosidade deliberada de certas autoridades públicas. Tais práticas, ainda que reprováveis, são parte da realidade enfrentada por empreendedores nacionais e estrangeiros.
Ignorar esse cenário é comprometer a viabilidade do investimento. A análise de risco para ingresso no Brasil deve ir além de indicadores financeiros, cambiais ou logísticos. Deve abranger, com igual rigor, os aspectos regulatórios, institucionais e administrativos que podem, silenciosamente, inviabilizar uma operação. Muitas empresas sérias e bem-intencionadas já viram seus planos sucumbirem diante da ineficiência ou arbitrariedade administrativa, tendo que recorrer à via judicial como medida de sobrevivência, quando a atuação preventiva teria evitado o litígio.
A consolidação jurídica de uma empresa estrangeira em território brasileiro passa necessariamente pela observância do regime jurídico-administrativo local. É nesse contexto que o Direito Administrativo atua como verdadeiro alicerce. Ele permite compreender os limites e deveres impostos pela lei, a forma de manifestação válida dos atos do poder público, os meios de impugnação administrativa e judicial de decisões ilegais, e os mecanismos de participação em licitações, concessões ou convênios.
Não se trata apenas de evitar irregularidades ou responsabilizações. Trata-se de construir, desde o início, uma base sólida, tecnicamente embasada e institucionalmente legítima para o desenvolvimento do negócio. Isso significa estruturar contratos em conformidade com o regime jurídico dos contratos administrativos, implantar programas de compliance adaptados à legislação anticorrupção brasileira, conhecer as exigências das agências reguladoras do setor de atuação e, acima de tudo, estabelecer uma cultura de respeito às normas administrativas locais.
A empresa que chega ao Brasil sem essa preparação jurídica corre o risco de caminhar às cegas, enfrentando obstáculos que poderiam ter sido previstos e neutralizados. Já aquela que compreende o papel central do Direito Administrativo atua com segurança, previsibilidade e capacidade de resposta institucional. O Brasil, apesar de seus desafios, continua sendo uma das maiores economias do mundo, e oferece oportunidades reais àquelas empresas que souberem compreender e respeitar seu ordenamento jurídico.
Conclui-se, portanto, que a internacionalização empresarial, especialmente no caso de pequenas e médias empresas estrangeiras, não deve ser orientada apenas por indicadores econômicos. É fundamental considerar, desde o planejamento inicial, uma criteriosa análise de risco e viabilidade jurídico-administrativa. O Direito Administrativo brasileiro não é apenas um ramo do Direito, mas um instrumento estratégico que sustenta, orienta e protege a presença empresarial estrangeira em solo nacional.