Tarifas, Justiça e Diplomacia: O Tarifaço de Trump e os Reflexos Jurídicos na Relação Brasil–EUA
Rogério Santos do Nascimento, Advogado
Em julho de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, com foco inicial no aço, alumínio e derivados industriais. O anúncio foi acompanhado de uma carta pública dirigida ao governo brasileiro, na qual o presidente americano critica abertamente os processos judiciais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, qualificando-os como perseguição política.
Embora o conteúdo da carta tenha causado reações intensas por sua natureza inusitada, um chefe de Estado condicionando relações comerciais a decisões judiciais soberanas de outro país, os impactos jurídicos e institucionais da medida vão muito além do gesto simbólico. Trata-se de um marco na utilização explícita do comércio como instrumento de pressão ideológica, jurídica e diplomática.
Comércio como instrumento de influência sobre decisões soberanas
Historicamente, tarifas de importação são utilizadas como mecanismo de proteção da indústria local, correção de desequilíbrios comerciais ou reação a práticas de concorrência desleal. No entanto, a medida adotada pelo presidente Trump rompe com esse paradigma: não se trata de reação a subsídios ou dumping, mas a um descontentamento com a atuação do Poder Judiciário brasileiro.
Essa atitude estabelece um precedente grave e delicado: o uso de sanções econômicas para pressionar o funcionamento interno das instituições jurídicas de outro país. Isso afeta diretamente a segurança contratual, a confiança mútua entre os sistemas e a previsibilidade das relações comerciais bilaterais.
Entre tarifas e alianças: a posição geopolítica do Brasil
O gesto do governo americano também se insere em um contexto geopolítico mais amplo. O Brasil, embora tradicionalmente alinhado aos Estados Unidos em matéria econômica, vem se aproximando cada vez mais do BRICS, bloco composto por países como China, Rússia, Irã e outros. Esses países são regidos por modelos autoritários, com regimes que confrontam abertamente os valores institucionais e jurídicos do Ocidente.
Nesse cenário, as tarifas impostas ao Brasil operam com dupla função: de um lado, servem como retaliação simbólica à condução dos processos judiciais internos; de outro, funcionam como mecanismo de contenção estratégica, visando a manter o Brasil como parceiro econômico e político estável do Ocidente e a frear seu possível realinhamento ideológico com potências adversárias.
Pequenas e médias empresas: as mais vulneráveis
No plano prático, os efeitos do tarifaço serão mais severos para empresas americanas de pequeno e médio porte, que mantêm contratos com fornecedores ou parceiros brasileiros. Essas empresas, em geral, não possuem assessoria jurídica especializada no Brasil e desconhecem os instrumentos legais disponíveis para adaptação contratual.
Essas empresas poderão enfrentar:
Necessidade de revisão de contratos internacionais;
Ações judiciais por inadimplemento involuntário;
Perda de prazos e fornecimentos críticos;
Dificuldades logísticas e tributárias inesperadas;
E insegurança no cumprimento de cláusulas de responsabilidade civil ou penalidades.
A Nova Lei de Licitações e os reflexos em contratos públicos
Além do setor privado, a imposição tarifária pode impactar também contratos administrativos firmados no Brasil, sobretudo quando houver insumos, tecnologia ou serviços vinculados a empresas americanas. A Lei nº 14.133/2021, que rege as licitações e contratos administrativos, prevê em seu texto mecanismos específicos de proteção ao equilíbrio econômico-financeiro contratual.
Em especial, o artigo 137 dispõe sobre a possibilidade de extinção contratual em caso de força maior, nos seguintes termos:
Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações:
V – caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato.
Além disso, os artigos 124 e 125 da mesma lei tratam da possibilidade de alteração unilateral dos contratos administrativos pela Administração Pública, quando houver necessidade de modificar o valor contratual para garantir o equilíbrio econômico-financeiro.
Portanto, um evento como a elevação abrupta de tarifas internacionais pode:
Justificar pedidos formais de reequilíbrio contratual por parte de empresas brasileiras;
Servir como base jurídica para alteração dos contratos em execução;
E, em casos extremos, motivar a rescisão do contrato administrativo, se a prestação se tornar inviável.
Reciprocidade: o Brasil reagirá?
Na minha avaliação, é pouco provável que o Brasil adote tarifas retaliatórias de mesma natureza, embora isso seja juridicamente possível. A legislação nacional permite a adoção de medidas de reciprocidade no comércio exterior — amparada na Constituição Federal, na Lei nº 12.546/2011 e nos acordos multilaterais firmados junto à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Entretanto, o Brasil historicamente evita esse tipo de retaliação, por razões políticas e econômicas. Uma possível exceção estaria no caso de o país agir sob influência direta de potências como a China ou de regimes do BRICS, adotando, nesse cenário, uma retórica ideológica mais alinhada à contestação do modelo ocidental. Ainda assim, isso representaria um afastamento da tradição diplomática brasileira e colocaria em risco sua própria estabilidade comercial com os Estados Unidos.
Comparação econômica ilustrativa: o peso relativo do Brasil
Para ilustrar a assimetria de forças nesse debate, é importante destacar um dado que revela o abismo econômico entre Brasil e Estados Unidos:
Apesar de suas dimensões continentais, sua vasta população, suas reservas minerais e potencial energético, o PIB nominal do Brasil em 2024 foi de aproximadamente US$ 2,18 trilhões, segundo dados do FMI.
Esse número, embora expressivo no contexto latino-americano, é inferior ao PIB de três estados norte-americanos:
Califórnia: cerca de US$ 4,5 trilhões (2024 - a quinta maior economia do mundo se fosse um país independente);
Texas: aproximadamente US$ 2,9 trilhões, com forte base industrial, energética e agrícola;
Nova York: em torno de US$ 2,7 trilhões, impulsionada pelo setor financeiro, tecnológico e cultural.
Esses dados mostram que, do ponto de vista econômico, três unidades federativas dos EUA superam, individualmente, o Brasil inteiro em geração de riqueza, apesar de terem territórios incomparavelmente menores.
Essa realidade econômica precisa ser considerada em qualquer análise sobre política comercial, retaliações tarifárias ou equilíbrio de poder nas relações bilaterais.
E isso significa que, em um primeiro momento, as empresas que dependem da importação de insumos do Brasil podem sofrer impactos diretos. Por outro lado, aquelas que fornecem produtos para o mercado brasileiro provavelmente não enfrentarão efeitos imediatos — embora devam manter atenção redobrada. Afinal, trata-se de um país cuja condução política e econômica frequentemente oscila conforme mudanças ideológicas e interesses circunstanciais de seus governantes.
A importância da consultoria jurídica em Direito Brasileiro
Diante desse cenário, empresas e escritórios de advocacia nos Estados Unidos que mantêm relações com o Brasil enfrentam um novo patamar de risco jurídico e contratual. É nesse contexto que se revela essencial a atuação de consultorias jurídicas especializadas em Direito Brasileiro, com presença técnica nos EUA.
A proposta que venho desenvolvendo com a Lex Pathway LLC, sediada na Geórgia, atende exatamente a essa demanda: apoiar empresas, advogados e investidores americanos na leitura, interpretação e adaptação de documentos, cláusulas, contratos e decisões legais conforme a legislação brasileira vigente.
Esse suporte pode ser determinante para:
Evitar litígios transnacionais desnecessários;
Identificar soluções jurídicas legítimas à luz da Lei brasileira;
Viabilizar o reequilíbrio ou reestruturação de contratos em risco;
Garantir segurança documental em operações com empresas brasileiras;
E promover um fluxo jurídico consistente entre os dois países.
Considerações finais
A imposição de tarifas por parte do governo americano, motivada por fatores judiciais e políticos, inaugura um novo capítulo nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Não se trata apenas de uma crise pontual, mas de um teste à maturidade institucional das nações envolvidas — e à capacidade de seus agentes econômicos de agir com estratégia e legalidade.
Nesse ambiente, a assessoria jurídica torna-se ferramenta de defesa e de construção. A estabilidade contratual, a segurança das relações comerciais e o respeito mútuo entre as jurisdições dependem, mais do que nunca, de profissionais aptos a transitar com técnica e ética entre os sistemas.
O Direito, neste caso, não é apenas um regramento de conduta. Ele é, em essência, a única ponte segura em tempos de tensão internacional.