Riscos Jurídicos e Potenciais Inconstitucionalidades em Editais de Licitação Internacional: Estudo de Caso do Pregão Eletrônico nº 90020/2024, Ministério da Justiça

Rogério Santos do Nascimento, Advogado, ex-Assessor Jurídico da Marinha do Brasil, especialista em Direito Constitucional e Administrativo, consultor jurídico em licitações públicas nacionais e internacionais

Resumo

O presente artigo realiza uma análise crítica do Edital nº 90020/2024, que rege o pregão eletrônico internacional promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública para aquisição de armamento (pistolas calibre 9x19mm), com valor global estimado em mais de R$ 285 milhões. A pesquisa identifica pontos que, embora aparentemente regulares, podem representar potenciais violações indiretas à legislação vigente, comprometendo a isonomia entre os participantes e restringindo, sem motivação adequada, a ampla concorrência. São analisadas especialmente a ausência de justificativa para a exclusão de tratamento diferenciado às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), bem como a ausência de publicidade quanto ao preço máximo por item licitado.

1. Introdução

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) introduziu profundas alterações no regime licitatório nacional, incluindo novas exigências quanto à transparência, ao tratamento equitativo de licitantes e à motivação administrativa. O respeito a tais princípios é especialmente crítico em certames de larga escala e com possível repercussão internacional, como é o caso do Pregão Eletrônico Internacional nº 90020/2024, promovido pela União.

2. Metodologia

A abordagem adotada neste artigo é qualitativa e documental, com análise jurídico-normativa do edital à luz da Constituição Federal, da Lei nº 14.133/2021, do Decreto nº 11.462/2023 e da Instrução Normativa SEGES nº 73/2022. A metodologia inclui também uma leitura crítica da técnica de redação editalícia, sob o prisma da proteção à competitividade e da segurança jurídica do processo.

3. Exclusão Imotivada do Tratamento Diferenciado às ME/EPPs

O edital em questão afirma expressamente que não haverá aplicação da preferência para ME/EPPs:

“PREFERÊNCIA ME/EPP/EQUIPARADAS: NÃO”

Contudo, não há no instrumento convocatório qualquer justificativa administrativa para tal exclusão. Nos termos do art. 47 da Lei Complementar nº 123/2006, é obrigatória a adoção de tratamento diferenciado salvo motivo devidamente justificado nos autos, conforme reiterado pelo art. 4º do Decreto nº 8.538/2015 e reconhecido pela jurisprudência do TCU.

 Potencial prejuízo:

A ausência de motivação pode prejudicar microempresas e empresas de pequeno porte que, com a preferência legal, teriam chance real de adjudicação, especialmente em itens de menor escala.

A omissão vulnera o princípio da legalidade e da motivação dos atos administrativos (CF, art. 37, caput).

4. Omissão quanto ao Preço Máximo Unitário

Embora o edital divulgue o valor global da contratação (R$ 285 milhões), não informa os preços máximos por item na parte pública do edital (ou ao menos não os destaca de forma acessível). A jurisprudência do TCU (Acórdãos nº 1.214/2021 e 2.209/2020 – Plenário) e a IN SEGES nº 73/2022, art. 29, recomendam que a Administração:

Apresente o valor máximo por item em documento reservado ao pregoeiro ou, preferencialmente, publicamente, quando não comprometer o interesse da Administração.

;.ç Potencial prejuízo:

A ausência de parâmetro público pode comprometer a formação de lances conscientes, sobretudo por empresas estrangeiras, levando a lances inexequíveis ou prejudicando a competição real.

Pode dificultar eventual impugnação técnica por sobrepreço, reduzindo a fiscalização social do certame.

5. Observações sobre a Participação de Empresas Estrangeiras

O edital estabelece parâmetros adequados para permitir a participação de empresas estrangeiras, inclusive sem sede no Brasil, nos termos dos arts. 63 e 64 da Lei 14.133/2021. Exige-se:

Tradução livre inicialmente;

Tradução juramentada e apostilamento/consularização para contratação;

Rep<resentação legal no Brasil.

✅ Regularidade técnica: Esse aspecto está, no geral, conforme a legislação e é um ponto positivo da redação editalícia.

6. Considerações Finais

A análise do edital revela que, embora formalmente estruturado, ele contém pontos críticos que podem gerar questionamentos jurídicos e prejudicar a ampla concorrência, sobretudo:

A omissão de justificativa para exclusão do tratamento diferenciado às ME/EPPs, ferindo o princípio da motivação;

A ausência de publicidade clara sobre o preço máximo por item, comprometendo a transparência e a igualdade entre os concorrentes.

Tais omissões, mesmo não sendo nulidades formais absolutas, fragilizam a segurança jurídica do certame e merecem atenção por parte dos órgãos de controle, dos potenciais licitantes e da sociedade civil organizada.

Referências

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Nova Lei de Licitações e Contratos.

BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

BRASIL. Decreto nº 11.462, de 31 de março de 2023.

BRASIL. Instrução Normativa SEGES nº 73, de 30 de setembro de 2022.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 1.214/2021 – Plenário.