Reconhecimento de Sentenças Judiciais Americanas no Brasil: Fundamentos Jurídicos e Caminhos Operacionais para Advogados dos Estados Unidos
Por Rogério Santos do Nascimento
Advogado brasileiro, especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Militar. Fundador da Lex Pathway Consulting LLC, com sede na Geórgia (EUA), empresa dedicada à consultoria jurídica transnacional Brasil–Estados Unidos.
1. Introdução
As relações jurídicas entre cidadãos e empresas dos Estados Unidos e do Brasil têm se intensificado nas últimas décadas, gerando um número crescente de decisões judiciais proferidas em território norte-americano que necessitam produzir efeitos jurídicos no Brasil. Para que isso ocorra, não basta a prolação de sentença válida nos EUA: é indispensável que ela seja submetida a um procedimento de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos moldes do artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal de 1988.
Este artigo tem como objetivo oferecer, a advogados norte-americanos, uma exposição técnica, objetiva e prática sobre os critérios jurídicos exigidos para o reconhecimento de sentenças estrangeiras no Brasil, com ênfase nas decisões oriundas dos Estados Unidos, nos procedimentos perante o STJ, e nas exigências consulares que antecedem a tramitação judicial.
2. Fundamentação Constitucional e Legal
O artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição da República estabelece a competência do Superior Tribunal de Justiça para homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias. A regulamentação infraconstitucional encontra-se no Código de Processo Civil brasileiro (arts. 960 a 965) e, de modo mais específico, no Regimento Interno do STJ, especialmente nos artigos 216-A a 216-X.
O Brasil não adota o princípio da reciprocidade automática de reconhecimento de sentenças estrangeiras. Diferentemente de jurisdições que admitem o full faith and credit, o sistema brasileiro exige, para a eficácia de sentenças estrangeiras, homologação formal mediante ação autônoma, com citação da parte contrária e manifestação da Procuradoria-Geral da República.
3. Requisitos Jurídicos para a Homologação
Os requisitos para a homologação de sentença estrangeira pelo STJ estão consolidados em jurisprudência pacífica e nos dispositivos regimentais. São eles:
3.1. Jurisdição Competente da Corte de Origem
É necessário comprovar que o juízo norte-americano que proferiu a sentença era competente, à luz do direito internacional privado e das regras internas do país de origem.
3.2. Sentença Transitada em Julgado
A decisão deve estar acobertada pela res judicata, ou seja, ser definitiva e insuscetível de recurso. A comprovação é feita mediante certidão de trânsito em julgado, emitida pelo cartório ou secretaria do juízo de origem.
3.3. Citação Regular da Parte Ré
A parte ré na ação originária deve ter sido validamente citada, com observância ao devido processo legal. É comum que o STJ examine, inclusive, se houve prazo razoável para apresentação de defesa, à luz dos princípios constitucionais brasileiros.
3.4. Ausência de Ofensa à Ordem Pública Brasileira
A sentença não pode afrontar princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, como a dignidade da pessoa humana, o contraditório, a ampla defesa, a moralidade administrativa e a soberania nacional.
3.5. Tradução Juramentada
Todos os documentos devem ser traduzidos por tradutor público juramentado no Brasil, não sendo aceitas traduções livres ou certificações em outros países.
3.6. Legalização Consular ou Apostilamento
Todos os documentos estrangeiros devem estar devidamente legalizados por autoridade consular brasileira ou apostilados conforme a Convenção da Apostila de Haia, ratificada pelo Brasil em 2016.
4. Procedimento Prático e Estratégico
A tramitação da homologação perante o STJ segue rito próprio. A petição inicial deve ser subscrita por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e acompanhada de documentos originais ou cópias autenticadas da sentença, do comprovante de trânsito em julgado, do comprovante de citação da parte ré, da procuração e dos documentos de identificação das partes.
O STJ analisará a admissibilidade formal, determinará a citação da parte ré (caso ela não tenha manifestado anuência), e solicitará parecer da Procuradoria-Geral da República. Em regra, a manifestação do Ministério Público é no sentido de preservação da segurança jurídica e respeito aos tratados internacionais.
Nos casos em que há anuência da parte ré ou inexistência de litígio pendente, a tramitação é simplificada e pode ser concluída em cerca de 10 meses. Se houver impugnação, o prazo pode ultrapassar dois anos.
5. Limitações e Riscos Comuns
Diversos erros procedimentais têm inviabilizado homologações, entre os quais se destacam:
Apresentação de sentença sem o trânsito em julgado certificado.
Ausência de tradução juramentada no Brasil.
Citação feita por métodos que não atendem ao critério de due process exigido pelo STJ.
Tentativa de homologar sentença que contraria a ordem pública brasileira, como em certos casos de adoção ou divórcio por procuração sem consentimento bilateral.
Além disso, a falta de assessoria especializada pode levar à perda de tempo e recursos, uma vez que o STJ não admite emenda após o indeferimento definitivo da homologação.
6. O Papel da Consultoria Jurídica Especializada
A atuação de um consultor jurídico especializado em direito brasileiro é, portanto, imprescindível para advogados norte-americanos que necessitem homologar decisões perante o STJ. A Lex Pathway Consulting LLC oferece suporte técnico completo, desde a análise da sentença estrangeira e verificação de seus requisitos, até a coordenação com tradutores públicos, cartórios, consulados e advogados brasileiros habilitados para o protocolo da ação.
Este serviço não apenas evita falhas formais, mas antecipa soluções e interpretações necessárias ao sucesso do processo. A consultoria também realiza a due diligence sobre a viabilidade do pedido, evitando litígios desnecessários ou estratégias ineficazes.
7. Conclusão
O reconhecimento de decisões judiciais norte-americanas no Brasil é juridicamente possível, mas demanda rigor técnico, observância de normas específicas e capacidade de dialogar com o sistema jurídico brasileiro em sua complexidade. A atuação preventiva e estratégica, amparada por profissionais experientes e conhecedores do direito público brasileiro, é a única forma segura de garantir a eficácia plena de uma sentença estrangeira perante o Poder Judiciário nacional.
Para o advogado americano, compreender esse processo não é apenas uma formalidade: é um diferencial competitivo na prática jurídica transnacional.